segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Posso parecer estranho
Posso parece instinto
Posso me repetir
Me perder
Não te seguir

Posso contar as cores
Meus amores
Posso fazer piada
E também terapia

Posso buscar consolo
Posso dar conforto
Posso te dar amor
E te dizer desaforo

Posso passar o tempo
Procurando ter mais tempo
Posso ser um sargento
No exército do amor

Posso existir sem dor
Posso morrer de pavor
De ter que seguir vivendo
Mas, nunca mais sendo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Debate sobre drogas no GLOBO: Regulamentação é a palavra-chave


Foto de Marco Antônio Teixeira / O GLOBO

Não tem muito tempo, o advogado novaiorquino Ethan Nadelmann, fundador da Drug Policy Alliance, entidade que defende mudanças na política antidrogas americana, era considerado um radical em seu país. Sua posição pela legalização da maconha, redução de danos a dependentes químicos e descriminalização do uso de todas as drogas, com vistas à diminuição do encarceramento em massa que faz dos EUA responsável por 25% de toda a população carcerária do mundo, fazia dele um ET em qualquer debate público do qual participasse. Mas hoje, ele garante, os tempos são outros. Mesmo sem ter feito ainda nada de concreto sobre o tema, o novo governo democrata de Barack Obama promete começar a mudar o cenário de violência, gastos públicos e intolerância que domina a posição americana sobre o assunto dentro e fora do país, e que nos últimos anos arrastou quase o mundo inteiro numa cruzada cara e pouco eficiente em busca da utopia impossível de um mundo livre das drogas. Pelo menos essa é a esperança de Ethan, que nessa quinta-feira participou de um debate sobre legalização de drogas no auditório do Globo, na companhia da psicanalista Maria Thereza Aquino, diretora do Núcleo de Estudos em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad/UERJ), do jornalista Arnaldo Bloch e de cerca de 100 privilegiados espectadores. O evento fez parte do projeto Encontros no Globo, no qual há cerca de 20 anos público e especialistas se reúnem para discutir temas relevantes para a sociedade.

Foto de Marco Antônio Teixeira / O GLOBOApesar de o tema proposto ser legalização, a palavra-chave do debate foi outra. “Regulamentação é a minha bandeira”, disse Ethan, logo na abertura de sua participação, usando o termo que repetiria várias vezes ao longo de quase duas horas de evento. “Não estou aqui para dizer que maconha é maravilhosa, porque não é. Também não estou aqui para dizer que o usuário de maconha está livre dos riscos da dependência, porque não está. Estou aqui para dizer que o ponto de vista do proibicionismo, além de hipócrita e ineficiente, é hoje, cada vez mais, um tremendo desrespeito aos direitos humanos”, disse o americano. “Regulamentar o uso de maconha, respeitando-se seu potencial de malefícios à saude bem como o seu potencial de benefícios é a única saída para aumentar a segurança do uso dessa substância e reduzir a criminalidade a ela relacionada”, completou.

Para Ethan, a regulamentação da produção e da venda dificultaria, por exemplo, o uso de maconha por crianças (“hoje é mais fácil para uma criança comprar maconha do que bebida nos EUA”, lembrou). Também permitiria um maior controle da composição da droga, hoje entregue unicamente aos interesses dos traficantes, e geraria impostos suficientes para que políticas amplas de redução de danos e prevenção fossem implementadas. “Exatamente como foi feito quando se terminou com a Lei Seca, nos anos 30”, defendeu, lembrando o que hoje todo mundo já sabe: a Lei Seca americana, que vigorou entre 1920 e 1933, só fez aumentar o consumo de bebidas fortes e de baixa qualidade, produzidas sem controle por grupos de criminosos, prática que envenenou e tornou seriamente dependentes milhares de americanos. Após a abolição da lei, ao contrário dos temores mais puritanos, o consumo de álcool nos EUA manteve-se em bases controláveis nos últimos 70 anos, com a vantagem de ter se transformado num eficiente gerador de receitas provenientes de impostos.

Foto de marco Antônio Teixeira / O GLOBO

Para a debatedora Maria Thereza Aquino, contudo, a tese da regulamentação ainda soa como uma proposta assustadora, pelo menos no caso do Brasil. Segundo ela, a sociedade brasileira não está preparada ainda para um passo como esse. “Temo que muitas pessoas aqui confundam a legalização com uma permissão para usar livremente, o que pode ser muito perigoso”, diz a psicanalista, que no caso da maconha pontua ainda uma outra preocupação: “Sei, por experiência própria com meus pacientes, que a maconha hoje não é mais uma droga leve. É usada cada vez mais em versões altamente concentradas, com poder psicoativo e efeitos colaterais muito mais poderosos do que havia nos anos 70”, disse.

Apesar disso, Maria Thereza concorda com a tese da descriminalização do usuário. “Uso de droga tem que ser assunto do Ministério da Saúde. Portar droga não deveria ser crime nem ter qualquer tipo de pena. Isso ajuda a “desestigmatizar” o usuário, e pode contribuir muito no tratamento dos dependentes. Eis um ponto sobre o qual eu acho que a lei brasileira ainda pode evoluir”, disse ela, fazendo referência à confusa lei brasileira, que despenaliza mas continua considerando o porte de drogas para uso pessoal um crime previsto no código penal, o que abre margem para muitas interpretações equivocadas (ou mesmo mal intencionadas) pelos nossos agentes da lei).

***

Veja abaixo algumas das principais observações de Ethan e Maria Thereza durante o debate:


Ethan:
“Não creio que possa haver uma mudança radical para uma nova política de drogas legalizadas. Este será certamente um processo passo a passo, que precisará de um diálogo muito evoluído em direção a um novo entendimento político e social sobre o assunto, livre das amarras do preconceito e do moralismo, com a luz da ciência e da tolerância”

Maria Thereza:
“Nossa experiência mostrou que a politica de troca de seringas fez com que os dependentes com quem trabalhávamos usassem cada vez menos a cocaína injetável. Isso é uma evidência de como ações de redução de danos são importantes”

Ethan:
“É preciso dizer que maconha não é, em absoluto, tão forte e perigosa quanto o álcool. A grande maioria das pessoas que a usa não fica viciada, não perde o controle, não tem graves problemas de saúde nem fica viciado em drogas mais fortes”


Maria Thereza:
“Não consigo olhar com leveza a possibilidade de legalização das drogas. Tudo bem que ninguém morre de maconha, mas a maconha ‘mata’ muitos destinos. Um adolescente que passa duas, três horas por dia sob o efeito da maconha certamente não terá o mesmo destino de um que tem as mesmas oportunidades mas que não fuma maconha”

Ethan:
“O que ‘mata’ o destino das pessoas é a prisão por porte de maconha. Carimba o indivíduo com uma ficha criminal que certamente o estigmatizará e o desestimulará a ousar na vida. Barack Obama já admitiu que fumou maconha e usou cocaína na juventude. Imagine se ele, um negro, tivesse sido preso por isso? Será que teria tido coragem para se candidatar a um cargo público depois? Provavelmente não. E hoje não teríamos nosso primeiro negro na presidência”

Maria Thereza:
“A legalização das drogas me parece um beco sem saída. A venda de drogas com taxação de impostos abrirá espaço para que o mercado negro ofereça o produto mais barato, perpetuando o tráfico. Da mesma forma, a legalização facilitará o acesso à droga a quem está tentando abandonar a adicção”

Ethan:
“Todos os esforços para se erradicar as plantações de plantas como a coca, a maconha e a papoula nos últimos 50 anos foram inúteis. Simplesmente fizeram as plantações mudarem de lugar. O caso da América do Sul, por exemplo: a repressão na Bolívia nos anos 80 levou a coca para a Colômbia. É um erro grosseiro de estratégia, que só a hipocrisia não permite ver”